sábado, 19 de dezembro de 2015

Todas somos ‘Mulher-Maravilha’

Comentava com minha melhor amiga do meu estado depressivo-vegetativo, que coincidi com meu ciclo pré-menstrual (nunca sei se vou explodir em chamas ou em lágrimas), e ela, como toda boa psicóloga, tratou de vir de Limeira para me cuidar da auto-estima:

- Hoje nós vamos nos divertir. Vou te maquiar, você vai ficar linda, precisamos resgatar essa mulher-maravilha!

Com certeza fiquei muito feliz com sua chegada, mas eu não estava uma boa companhia, e por mais que ela se esforçasse eu estava me irritando de tentar ser receptiva.

Deixei me maquiar, mas não deixei pintas olhos. Vesti uma roupa que ela trouxe, mas preferi usar a minha; ela queria meus cabelos esvoaçantes, mas eu sai com eles preso num rabo de cavalo; não usei seu afrodisíaco nem coloquei seus brincos grandes, alias, sai sem brincos...clássica e despercebida!

Ela fala de mim, mas somos muito parecidas...arianas ( já escrevi sobre o perfil do ariano: O que todos devem saber sobre os arianos ) . E apesar de tentar me dar um upgrade, era o que ela também queria para si, tipo, sentir-se cuidada quando cuida do outro?

Enfim. Chegamos no pub e as duas com cara de peça desencaixada do quebra-cabeça:

- Sorria pelo menos.

- Não estou com vontade

- Então finja que está feliz por favor.

- Não sei fingir, não preciso agradar ninguém!

- Precisa me agradar, preciso saber que mesmo chata estou sendo uma boa companhia...você me tirou de casa e me deve isso! – e ela me devolveu um sorriso forçado.

Nada mais interessante para fazer, comecei a reparar nas pessoas. Sinto falta de me divertir assim, como na adolescência: a diversão minha e da minha prima materna era rir das mal arrumadas da noite. E retomando essa época, mostrei-lhe uma Barbie - pois estava na cara de quem rejeita a idade, e vemos isso pelo seu corte de cabelo e jeito infantil de se vestir - um demônia da tasmânia - eu sei, uma coitada, admito que eu sou uma ridícula, mas estou sendo sincera expondo o que eu realmente pensei naquele momento, assim como todos vocês em determinadas situações, também pensam, só não falam ou não admitem.

Pude sentir certo desprezo e julgamento, no seu olhar de psicólogo, por eu avaliar as pessoas pela aparência. Mas como dizia outra psicoterapeuta: não é nem questão de julgamento, mas muitas vezes vemos o que o outro quer mostrar, inconsciente ou não. Ao menos todos estavam 'teoricamente' felizes, bebendo e se divertindo, e nós duas não! Então eu estava me esforçando para me divertir, com um humor sarcástico, concordo, mas como disse, me sentia um peixe fora d´água, e não sabia  como me comportar, só não queria fazer o que todos estavam fazendo. 

Conversa vai e vem sobre homens e sexo – como sempre – e passamos a reparar na vitrine do local: é desprezível a maneira com o ser humano se coloca numa prateleira, estando tão disponível, e na maioria das vezes, em troca de nada. E não critiquem que mais uma vez estou julgando, afinal, é o que vemos nas baladas! Até comentei que me sentia numa vitrine, mas na sessão de produtos vencidos... ela concordou que sentia o mesmo hahahahaha:

- Quer saber? Se foda os outros! Saímos para ‘pegar’?

- Não. Para curtirmos nossa amizade e a banda.

- ... que é péssima por sinal.

- ... e os homens também! Você já se viu um lugar com tanto homem feio junto?

Na hora pensei: depois vem me lançar um olhar julgador, me fazendo sentir-me mal, me chamando por Malévola, e só porque eu estava à reparar? Mas eu estava gostando dela começar a falar minha língua, então ao menos naquele momento, não devolvi esta observação, e só respondi: 

- Mas não saímos para paquerar lembra?

- Mas é gostoso estar num ambiente ‘agradável’.

- Desculpa amiga, mas todos os homens bonitos e bem sucedidos com certeza a essas horas, estão aproveitando as férias  numa viagem...

E ficamos psicologando no decorrer da noite, ignorando um alemão que só estava tentando falar português e fazer amigos (mas arianos são fechados, fazem amizade se querem, e quando querem)...até encostar na frente do mesmo balcão que estávamos, a glamurosa mulher-maravilha.

Como posso descrevê-la: morena mediana, de olhos amendoados e franjinha, com bochechas salientes (se não fosse pela sua condição social, diria que eram artificiais), e uma roupa escandalosamente vulgar e horrorosa, que mais parecia uma fantasia da heroína: um vestido curto e justo azul royal, com estrelas brancas, que delineava um corpo nada bonito, cuja cava saía da cintura às costas, deixando-as totalmente despidas... sem falar da sua postura arcada! Segurei meu riso para não humilhá-la, afinal o que eu era melhor que ela? Ao menos ela estava se divertindo... mas não me contive ao comentário, então virei-me para o outro lado: 

- Olha a mulher maravilha amiga! – e ri horrores.

- Pára coitada. Como você é má.

- Lá vem com você com seu olhar humano. Ela com certeza é uma pessoa boa e legal, não estou questionando isso, somente que não tem bom senso para se vestir.

- Vai ver não tem dinheiro para se vestir bem.

- Não somos ricas, nossas roupas não são de grifes, e estamos bem vestidas. Aliás, minha tia costurou este vestido, e não me saiu R$ 70.

- Ela está feliz assim.

- O-k-a-y – finalizando o assunto. Mas ela insistiu em prosseguir:

- E se ela chegar para você e perguntar do que você achou graça?

- Responderei quem ela pensa ser para achar que é tão reparada e o meu assunto da noite enquanto eu tenho coisas melhores para fazer num bar? Eu tenho outros motivos para rir, acredite!

- Arianos têm resposta para tudo.

- Somos... se esqueceu?

E comecei a dançar uma música que amo.

Sentei, e passei reparar minha amiga, seu desdém para com a mulher-maravilha:

- Te peguei, e não seja hipócrita!

- O quê?

- Seu olhar de desprezo.

- Paro com isso, nada a ver.

- Vai dizer o que desse olhar então? - e a imitei, e ela riu muito.  E ainda me atrevo a dizer: primeiro você me julgou mentalmente por eu tê-la julgado, e isso te coloca no mesmo lugar que eu. E agora eu pude ler nos seus olhos a pena que sentiu dela estar tão ridícula, então lhe peguei julgando pela segunda vez. 

Ela ficou rindo por eu ser tão acertiva – ou sensitiva? – e continuei:

- E tem mais! Você está tão inconformada dela não ser bonita, mal vestida, e ainda estar pegando um homem, enquanto você está uma divã e ninguém chegou em você!

Desmascarada, ela entregou os pontos e vomitou tudo que estava pensando a respeito. Agora estávamos tendo uma conversa sincera!

Eu falo: não sou bruxa, mas sou capaz de ler pensamentos, e isso me incomoda muito porque na maioria das vezes tenho que disfarçar o que sei que os outros pensam/sentem definitivamente de mim...

Entre a curtição de um ou outro clássico, reparávamos nos casais se paquerando: estava explícita a atração mútua mas sem iniciativa por ambas as partes.

- Odeio isso nos homens Tati. Comigo o cara quer ou não quer, não me rodeie que acabo com a raça.

- Ah amiga, somos parecidas né: 8 ou 80. Eu no lugar dessa loira ao lado não teria me aguentado: iria até ele se fosse em outras épocas, mas hoje o mais provável é que desistisse por reconhecer nele um tremendo cara  idiota e que nem sabe chegar numa mulher.

Disse isso  porque testemunhamos um idiota de 30 anos mandando o amigo chegar numa loirinha que ele estava paquerando. Eu não sei o que ela respondeu, mas em seguida este cara puxou uma outra e a beijou na boca. Mais infantil da parte dele ao terminar o beijo, pois flagramos ele virando para ver se a loira olhava.

Não aguentei, tive que comentar esse flagra com a vítima, que sentava ao meu lado. Daí ela se desabou a reclamar, inconformada com a atitude dele!

- Sabe o que é querida - respondi - as mulheres precisam estar menos disponíveis. Repare a sua volta: elas ficam desesperadas caçando até cruzar o olhar com um homem que as repare! Desespero para dar, para arranjar namorado, ou para mostrar á amiga que não passou a noite sozinha? Se você quer ser bem comida? Então vá para São Paulo, ou qualquer outra cidade maior! Os homens do interior (ao menos da região) se acham! E se valessem o quanto se acham, ainda vai, mas eu nem perco meu tempo com eles porque estes não sabem fazer nem terminar o serviço!

Ela concordou que os últimos caras que transou foram péssimos... então não é melhor refletir sobre as futuras investidas? Não me conformo da mulher-moderna reduzir seu valor. Não há problema em ser totalmente sexual, mas de banalizar sua sexualidade e se entregar como brinquedo a homens que nos usam. E  encho a boca para dizer que eles nos usam sim, porque eles não nos deixam tempo para também os usarmos – o que torna essa troca muito injusta! Precisamos passar por isto???

À caminho do carro – já era umas duas horas da manhã - ela voltou ao assunto por mim esquecido:

- Mas até a feia beijou Tatiiiii!!!!

- Mas você queria ser beijada por qualquer um? Porque ele não ia pegar coisa melhor que ela.

(E lembrei ironicamente da música: ♫ Foge! Foge Mulher Maravilha. Foge! Foge! Com Super-Man.Você é minha Maravilha e eu sou seu Super-Man. No swing aqui do Leva eu quero ver você meu bem! ♫)

- Vai ver para ele, ela é uma mulher-maravilha, não é mesmo? - ela perguntou.

- De certa forma todas não são?

E completei:

- O que seria do branco se todo mundo gostasse do preto? A vulgaridade dos dois estava explícita, se completam e se merecem como casal e que se curtam mesmo. Nossa história é outra amiga, arianas são exigentes e não se contentam com pouco. 

 - Mas ele mesmo feio e baixinho, era bonitinho para ela...

- E sentir inveja? Não estou lhe reconhecendo! Mulher maravilha sou eu, aliás, SOMOS NÓS, que preferimos ser assexuadas que banalizar nossas entregas - respondi gesticulando e falando alto como toda matriarca italiana...

- Que somos inteligentes e conseguimos ter uma conversa num nível intelectual que poucos têm ...

- Pois é...

- Lutamos e educamos nossos filhos sozinhas...

- Também. E conseguimos nos divertir e fazer dessa noite uma grande noite de amigas, sem precisar ter homens envolvidos!

E ficamos conversando sobre eles, relacionamentos, comportamento e sexo até cinco horas da manhã. Quando a deixei na sua casa ela me disse ao sair do carro:

- Obrigada amiga... Obrigada por ser tão generosa, por ser tão minha amiga, me compreender, por mandar beijos para as pessoas nas ruas, por me ter cedido sua cama deliciosa para descansar, cuidar de mim quando eu vim para sua casa cuidar de você...enfim, por ser esta amiga tão 'maravilha'!

- Eu que lhe sou grata – e me curvei. 

Voltei bem devagar de Limeira pela estrada vicinal - gosto de reparar na natureza - e pensando na nossa amizade, que eu sempre senti muita falta de amigas que me fossem empáticas e não simpáticas. Geralmente eu falava das minhas neuras e desejos com os amigos homens: eles nunca me julgavam, mas sempre acabavam erotizando no final...
Agora, a noite anterior não teria acontecido, nem teriamos nos divertido, se a amiga não tivesse me tirada à força de casa... inclusive, eu não teria me deparado com outro ‘tipo’ de mulher-maravilha, e não pensaria no meu papel como mulher:  eu não precisei paquerar ou ser paquerada (também nem reparei se o fui), nem de me sentir linda ou fodástica, e mesmo assim tivemos uma noite e tanto...

De uma forma que nem ela imaginou, ela conseguiu o que queria: me levantou a auto-estima por me fazer sentir como à uma mulher- maravilha de verdade!!!

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