sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Monólogos


Desde que me conheço por gente, lembro-me dos inúmeros amigos imaginários: para brincar, discutir, estudar, ouvir meus choros e desabafos. Até que na adolescência ganhei a Jurema, minha ursinha inseparável que me acompanhou até casada...mas dai a pirralha de uma priminha se apaixonou por ela, e me obrigaram a cedê-la...

E quem nunca teve um objeto de valor, um paninho de cheirar ou uma chupeta predileta? Conheço adultos que chupam dedo para dormir até hoje... A questão nem é julgar o quanto estamos crescidinhos para isso, até mesmo porque, se a vida nos obrigou a crescer, podemos até abandonar a chupeta, o dedo ou o “cheirinho”, mas transferimos nossa carência para outro objeto, brinquedos 'permitidos' somente para adultos... somos formais, mostramos ao mundo que já crescemos, mas bem lá dentro ainda existe aquela criança “desamparada”. Mas nem culpo meus pais por sentir esse abandono na infância! Tenho certeza que cada um deu seu melhor,  se erraram foi na tentativa de acertar, porque nunca é 100%, sempre vai ficar uma lacuna porque não existe perfeição… e lamento dizer mas também deixaremos algumas delas na vida dos nossos filhos, porque faz parte da vida, e cada um vive sua história dentro da sua realidade. E assim nascem nossas carências...

Eu creio no dito de um autor desconhecido, que ‘a gente nasce sozinho, cresce sozinho e morre sozinho’. E esta é a mais pura verdade! Podemos ter – ou não – pais para nos amparar e orientar no decorrer do nosso desenvolvimento, mas eles não duram toda a vida, e nossos enfrentamentos são experiências solitárias, onde cada ser vive a mesma experiência de jeitos diferentes, e uns sofrem mais - ou menos - que outros.

Ouvi de uma amiga evangélica que ela não se sente só, porque acredita que Deus está sempre com ela. Mas se sente assim  por que tem depressão? Vive à base de remédios mas acredita que está debaixo das asas do Senhor. Então fico a imaginar onde está esse Deus que permitiu que o Bicho-Papão devore sua vontade de viver, um pouco a cada dia...
Não quero julgar pessoas nem crenças, mas das duas uma: ou ela blefa quando diz que não tem medo da solidão porque tem Deus, mas toma remédio porque tem medo do vazio que carrega... Ou deveria assumir suas neuras, sem sobrecarregar tudo no ombro do Diabo, e reconhecer que nosso maior inimigo somos nós mesmos, e que Deus não tem nada a ver com essa luta.

Eu também tive meus enfrentamentos. Depois do segundo divórcio, quando vi todos meus sonhos se desfazendo, fui me encontrar no hatha-yoga, mas mesmo reconhecendo que tenho um lugar harmônico para estar dentro do universo, ainda assim tenho e vivo meus desequilíbrios, afinal, é sangue que correm pelas minhas veias e faz parte da evolução humana cair e levantar-se. 

É quando percebo que ainda tenho amigos imaginários: eu dirijo  fingindo ter alguém ao lado, monologo comigo - só que na segunda pessoa do singular! E converso mesmo, porque esta outra Tatiana me ouve, me entendem dá conselhos e broncas... As vezes brigamos porque sou muito teimosa, mas ela tem que reconhecer que sigo muito suas intuições ultimamente... Se eu instalasse uma câmera no retrovisor interno do meu carro e divulgasse as gravações dessas conversas num videoblog, tenho total certeza que todos se divertiriam ou teriam compaixão da minha loucura, e eu seria mandada para um hospício!rs
Mas existe outras Tatianas comigo, e a que mais curto é a Crianca: ela adora levar os filhos da Adulta ao cinema para juntos curtirem os desenhos e pipoca caramelada, ou brincar de amarelinha, ou ainda subir com eles em árvores… Claro que eles amam, mas às vezes me questiono se será o faço para agradá-los ou para agradar a criança interna que nunca teve isso? Acho que os dois...
Como na infância fui uma criança-cientista (daquelas destruidoras que quebram o brinquedo só para ver o que acontece), nenhum brinquedo de recordação daquela época me sobrou, mas  hoje eu tenho sobre minha cama uma boneca que era da minha filha Lola, a do Charlie & Lola, e que na animação sempre aparece brincando com sua amiga imaginária. Ironicamente, no criado ao lado… meu inseparável bullet!

Para as que nunca ouviram, bullet é um estimulador clitoriano elétrico, cuja velocidade é controlada, e como dizia um ex, “proporciona um gozo eletrocutado”! Hoje concordo com um antigo amigo de faculdade, que teimava em querer me convencer que eu já tinha uma dependência psicológica a este brinquedo... 

E o que tem demais? Quantos homens são eternos beberrões, e só trocaram as mamadeiras por latinhas de cerveja? Alguns fissurados em X-Box ou jogos on-line, outros colecionam quadrinhos ou miniaturas de super-heróis… Se tem cada louco que relaxa com hobbys por ai, qual o problema de quem relaxa se tocando?

São as benditas carências: somos carentes de amor, atenção, de contato humano... uns mais, outros menos, mas todos somos… e daí?

Reconhecer já é o primeiro passo para aprendermos a conviver com nossas neuras; a medida que aprendemos a nos ouvir, descobrimos outros eus, e quando nos silenciamos para compreendê-los, a alma ganha voz para nos contar sobre coisas que ela gosta e que desconhecemos. Se todos soubessem o quanto é surpreendente as descobertas, não teriam tanto medo de ficar sozinhos.

Mas como não sou paga para dar conselhos – e se os desse talvez fossem os piores, pois sou da opinião de que temos que dar a cara para apanhar para saber se de fato dói – fica somente a dica que ouvi ontem mesmo da minha instrutora de yoga: “nada dura para sempre, tudo passa, então só sinta”.
Então se está doendo, deixa doer: faz parte do aprendizado e amadurece. E se o que tem para hoje são apenas amigos imaginários no lugar de risadas diversas e gostosas na sua sala de estar, ou ainda, um 'bullet' no lugar de uma cama ocupada, não se desespere! Lembra do conselho da minha instrutora, que nada é para sempre, e acredite: uma hora essa urucubaca passa!

Também disponível em http://cerebromasculino.com/monologos/

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