sábado, 13 de fevereiro de 2016

As funções dos pais na família monoparental

A família hoje é considerada o sistema que mais influencia diretamente o desenvolvimento da criança, porque possui um lugar primordial no crescimento emocional desta, além do grupo familiar ser o primeiro sistema no qual a maioria das crianças experienciarão as primeiras situações de aprendizagem e introjeção de padrões, normas e valores, e quando o grupo família não funciona adequadamente, as interações pais-filhos-sociedade, são prejudicadas. 

Antes de falarmos sobre o apego à mãe (ou outro cuidador que a substitua), vamos compreender a dinâmica familiar, seu desenvolvimento e contexto moderno de sua função. Segundo o dicionário Aurélio, função é posição, papel, atribuição. Já do ponto de vista psicanalítico, é o papel exercido geralmente pelos pais, envolvendo cuidados, estabelecimentos de regras e vínculos afetivos.

Encontramos na Constituição Federal, Artigo 226, parágrafo 4º: "Entende-se, também como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Ou seja, ainda que o filho conviva com apenas um dos genitores, a dupla é considerada uma família para os efeitos legais. Assim, famílias monoparentais (casos de concepção, adoção independente, divórcio ou viuvez, a presença única do pai ou da mãe) também são consideradas vínculo familiar. 

Diz o artigo 25 do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente: Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”. Parágrafo único: "Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade".

O entendimento da Legislação é importante pois norteia o conceito família e o exercício de suas funções, mas será através da perspectiva psicanalítica que ampliamos a compreensão desta.

Segundo o psicanalista Donald Winnicott (1996), a presença da 'mãe suficiente boa' (que pode ser substituído por outra pessoa que exerça as mesmas funções) nos primeiros dias de vida do bebê é fundamental para seu desenvolvimento emocional. Ele usa esse termo porque não precisa se descabelar para ser a melhor e mais perfeita mãe do mundo, mas suficiente o bastante para atender às necessidades do filho (você sempre dizia isso né Anecí?rs).

Entre as várias funções maternas, Winnicott destaca as principais, que possibilitam um ambiente propiciador ao desenvolvimento físico e emocional saudável da criança: a função de Holding (segurar). Essa função tem muita relação com a capacidade da mãe de identificar-se com seu bebê, atendê-lo nas suas necessidades físicas e psicológicas, e até a função de manipular - que vai facilitar a formação de uma parceria psicossomática na criança, contribuindo para a formação do sentido do “real”, por oposição a “irreal”. E a função de apresentar objetos, que torna real o impulso criativo da criança e dá início à capacidade do bebê de relacionar-se com objetos.

Em relação à função paterna, Winnicott explica que o pai se torna necessário para dar à mãe apoio moral, ser um esteio para a sua autoridade, um ser humano que sustenta a lei e a ordem que a mãe implanta na vida da criança. Ele não precisa estar presente todo o tempo para cumprir essa missão, mas tem de aparecer com bastante frequência para que a criança sinta que o pai é um ser vivo e real (1982, p.129).

Ainda segundo o autor: O pai [...] acaba entrando na vida da criança como um aspecto da mãe que é duro, severo, implacável, intransigente, indestrutível, e que, em circunstâncias favoráveis, vai gradualmente se tornando aquele homem que se transforma num ser humano, alguém que pode ser temido, odiado, amado, respeitado (2005, p.127).

Zimmerman concorda com este ponto de vista ao afirmar que a entrada da figura paterna ocorre através da mãe, porque será ela quem inscreve o pai ou seu substituto, na vida do filho através da atitude e do seu discurso, incluindo o pai na vida da criança para exercer as funções paternas e contribuir para a construção do seu psiquismo. Cabe ao pai 'intrometer-se' nessa relação dual mãe-filho para mostrar à criança que ele não é o objeto exclusivo da mãe, e vice-versa.

Acontece que o desejo de ter um filho permeia a imaginação feminina tanto quanto a masculina, e a única diferença é que para a mulher o desejo de ter um filho é recompensador pois a gestação é um estado exclusivo dela. Mas na verdade o desejo de ter um filho é  muito mais que isso: segundo Cramer e Brazelton, se origina da identificação com os cuidados maternos recebidos na infância, o desejo que a pessoa tem de conservar uma imagem idealizada de si mesma como um ser completo e onipotente, o desejo de duplicar a si mesma ou espelhar-se e o desejo de realizar os próprios ideais (1992, p.13). Dessa forma, um filho nasce devido aos desejos conscientes e inconscientes, e para homens e mulheres somente existirá as diferenças na genealogia do desejo e na forma como desempenham suas respectivas funções.

Acerca da figura paterna esses mesmos autores trazem a seguinte colocação: O reconhecimento do papel do pai ajuda a mãe a ver o bebê como um indivíduo separado de si mesma. Se permanecer consciente de que sua gravidez resultou de um ato tanto do pai quanto dela mesma e, idealmente, do desejo paterno de ter um filho, não cairá presa da ilusão de ser a única responsável pela produção do bebê (1992, p.28). O pai exerce influência direta sobre o desenvolvimento da criança, influência essa que é enfatizada pelo apego existente entre ele e o filho desde a primeira infância. Este apego é mediado pela atitude da mãe em relação ao papel do pai (1992, p.49).

Como é a mãe que apresenta o pai ao filho, este "enxerga” o pai com os olhos da mãe. A condição masculina de pai é em princípio desconfortante, pois ele geralmente é excluído da díade mãe-bebê: a esposa desvia quase toda, ou toda sua energia e atenção para o bebê; também a mãe se torna o centro da atenção para outras pessoas... Mas e o pai? Ninguém pergunta como ele está se sentindo neste período de adaptação. E quando lhes damos vozes, todos se queixam da exclusão! 

Um pai e uma mãe não nascem prontos e acabados, mas são construídos e as funções parentais são aprendidas, aprimoradas no decorrer do percurso, e será de acordo com as necessidades do filho que os pais pensam, agem, e mudam tudo a sua volta. Mas a Psicanálise traçou um panorama de como estas funções influenciam diretamente no desenvolvimento emocional de uma criança: aos olhos de Freud e de seus sucessores, a mãe simboliza antes de tudo o amor e a ternura, e o pai, a lei e a autoridade... O pai encarna aos olhos do filho, a lei, o vigor, o ideal e o mundo exterior, enquanto a mãe simboliza a casa e a família, afetividade; ela é a introdução do fator emocional na vida de um indivíduo, enquanto o pai dá as regras e contribui para a vida em sociedade, a obediência às leis e a autoridade.

Para compreender toda a importância do pai (símbolo da lei e da interdição, e psicanaliticamente falando, da proibição do incesto), é preciso lembrar que a díade originária mãe/filho pode se tornar patogênica se passado um certo período. Por isso a importância das mães permitirem cortar novamente os cordões umbilicais, e deixarem o pai desempenhar seu papel sem interferência materna: é ele que faz a criança compreender que a mãe lhe é proibida porque pertence a um outro homem, e que, para superar a angústia de castração, ela deve se resignar à renúncia desse desejo. Vocês sabiam que somente quando a criança interioriza a lei paterna que ela passa desenvolver um “eu” autônomo e se experimentar como um sujeito independente, capaz de enfrentar o mundo exterior? Então lembre-se disse e que não criamos nossos filhos para nós! 

Mesmo com o conceito família mudado ao longo do tempo, no plano psicológico ela ainda abarca algumas funções fundamentais para a constituição psíquica do sujeito. Se hoje elas se reinventam ao surgirem como famílias monoparentais (só com a mãe, ou só com o pai), as homoparentais (pais homossexuais), dentre outras, é ambíguo dizer mas nos chama a atenção que entre a novidade e o conservadorismo, esses 'novos pais' inovam mas também tentam se encaixar dentro do “normal”.

Então como e quem desempenha essas funções parentais nessas famílias monoparentais, ou em famílias onde uma das figuras são ausentes ou inexistentes?

Para a Psicanálise, apesar das funções maternas e paternas serem distintas, complementares, e indispensáveis para o desenvolvimento psicológico do filho, ela também acredita que essas funções não precisam necessariamente reportarem-se à mãe ou ao pai, mas a qualquer pessoa (independente do sexo também) que os substituam.

Se a grande função do pai - como da mãe - é  amar, e amar é priorizar o bem-estar do outro, ou seja, cuidados materiais, educacionais, emocionais e espirituais prestados efetivamente, e se essas funções da mãe e do pai são voltadas para o desenvolvimento físico e emocional do filho, elas podem ser exercidas por figuras que os representem e os substituam, independente do sexo. Ausência não é sinônimo de fracasso, o importante é a função do plano simbólico concretizar-se no real.Se existe somente um genitor, este pode muito bem no plano psíquico, arcar com sua função originária e paralelamente contribuir para os aspectos faltantes. Uma mãe pode ser a transmissora do afeto e da “lei”, à medida que inclui o “terceiro” na relação, e da mesma forma o pai pode proceder. Conforme se aprende novas maneiras de se viver em sociedade, é necessário também que novos arranjos psicológicos sejam feitos, com base na afetividade é que mãe e pai (ou suas figuras substitutas) devem desempenhar suas funções. 

Dessa forma, uma família não deve ser medida quantitativamente e sim qualitativamente, com base nas relações afetivas entre as pessoas que compõem um núcleo familiar. Nessas novas concepções de família é provado que o amor vai muito além do tradicional 'mãe-pai-filhos'. O mais importante de tudo é essa interação de amor para com eles, e até onde eu sei, podemos dar nosso melhor, mas não podemos querer ser os melhores em tudo. 











REFERÊNCIAS:

BADINTER, Elisabeth. O mito do amor materno. São Paulo: Círculo do Livro S.A, 1980.
BRAZELTON, T.Berry. O desenvolvimento do apego: uma família em formação. Tradução Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
CAMPOS, Jacira Calasãs. Psicologia do desenvolvimento: influência da família. 2ª ed. rev e ampl. São Paulo: Edicon, 1983.
CRAMER, Bertrand, G; BRAELTON, T. Berry. As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.DOR, Joel. O pai e sua função na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1991.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua
portuguesa. 8ª ed. Curitiba: Positivo, 2010.
POLITY, Elizaberth; SETTON, Márcia Zalcman; COLOMBO, Sandra Fedulho (org.). Ainda existe a cadeira do papai? conversando sobre o lugar do pai na atualidade. São Paulo: Vetor, 2004
ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003.
SILVEIRA, JA; FERREIRA,MOA. A formação do apego e suas implicações na construção dos vínculos futuros. disponível em: http://www.institutofamiliare.com.br/download_anexo/juline-aldane-silveira-e-maria-odete-amaral-ferreira.pdf 
WINNICOTT, Donald, W. A criança e seu mundo. 6ªed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC editora, 1982.
ZIMERMAN, David. E. Fundamentos Psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 1999.


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