domingo, 14 de fevereiro de 2016

Gente que mora dentro da gente - parte 1

Desde que me lembro por gente, só lembro de críticas a meu respeito. As pessoas sempre me elogiaram pelo dinamismo, a capacidade de armazenar informações, a desenvoltura com os livros e com esporte, mas sempre criticavam:

"Você é xereta, quebra tudo" - enquanto eu só fui (ainda sou) curiosa
"Você é muito hiperativa" - sendo que eu desde cedo só anseio viver e aproveitar tudo como se fosse meu último dia de vida
"Você é muito bocuda!" - corrigindo, sincera e autêntica
"Se você não mudar, vai sofrer muito na vida." - e sofri muito, principalmente por não ser aceita, mas ainda bem que hoje consigo estar do outro lado.

Por que ser diferente nos faz sofrer? Que atire a primeira pedra quem nunca sofreu ou não sofre por qualquer bobagenzinha! Porque o sofrimento faz parte da condição humana, do nosso crescimento moral e espiritual, e ter problemas não significa não ser feliz.

Esse mal estar é ocasionado porque insistimos em achar o jardim do vizinho mais verde. TODOS temos problemas, angústias, dificuldades emocionais, mas nem todos demonstram, daí quando aquela amiga rica e linda posta fotos sorrindo ao lado do maridão perfeito no facebook, você a inveja e se senti mal porque a vida não sorriu para você. 

Mentiras. As pessoas carregam seres dentro de si, que se alimentam desses (res) sentimentos para sobreviver. Esse tipo de fotos não significa que esse casal é feliz, muito pelo contrário: insistir em declarar sempre e publicamente a paixão pelo parceiro talvez seja uma forma de se convencer disso, convencendo os outros primeiro.

Todos nós angustiamos atingir a felicidade plena, e o caminho para isso apesar de árduo, é tão simples. Talvez não dêem atenção às minhas pobres palavras ou a minha simples experiência porque eu só tenho trinta e sete anos (pronto, contei e dessa vez não aumentei), mas assim como muitos, vivi muita coisa desde tão cedo, e com tudo ainda o que tenho para viver, já pude entender que essa tal felicidade não existe. Muita gente passa a vida buscando por ela, e só lá na frente, no finalzinho, se dá conta de tudo que poderia ter feito, e dos 'momentos felizes' que deixou de viver (ainda bem que eu descobri isso há tempo).

Claro que aconteceu muita coisa para eu chegar até aqui, mas essas vivências permitiram que hoje eu não me desespere tanto com os problemas; quando eles acontecem eu penso: 'são só problemas e passam, como passa tudo na vida'. Quando aprenderem que não existe mal nem bom, que tudo é somente e-x-p-e-r-i-ê-n-c-i-a, lidarão melhor com os infortúnios,  não se colocando no papel de vítima, e experimentando o que a vida lhe manda junto com eles: uma grande lição! E dentre todas elas, a mais importante foi me aceitar como sou.

Sabe, se neste momento eu estivesse no meu leito de morte, deixaria meus filhos e entes com muito pesar, mas iria em paz porque não carrego mais mágoas, arrependimento ou pecado, porque até esses eu já paguei o preço das escolhas feitas. Eu só vivi, e me atrevi a ser intensa nas minhas experiências e relações, por isso sou leve, feliz e grata por tudo que fui, me tornei, sou.

Problemas vem e vão, e mal se vão, chega um novo. Se encararmos com maturidade, reconheceremos que em cada fechamento de ciclo nasce um novo eu mais próximo (ou menos longe) da perfeição. Infelizmente poucos se dão conta disso e acham que estão nesta vida á passeio,  mas fico feliz por você que consegue aceitar essas mudanças e se melhorar. 

Eu por exemplo, passei quatorze anos da minha existência tentando mudar para agradar um homem que não gostava do meu jeito espontâneo e intenso de ser, que me mandava ficar quieta quando eu queria compartilhar um livro legal que li ou me reprimia quando eu só queria rir com os rins! E como punição, eu sofria, me culpava por não conseguir, era infeliz e o fazia infeliz também. Foi quando tomei a decisão mais difícil da minha vida e me atrevi a estar só: embarquei na psicoterapia, nos estudos de psicologia e antropologia, nos pratos ecumênicos das palavras, para então me descobrir e me reinventar, me compreender e me aceitar como sou - aliás, como todos nós somos: seres em evolução (não gosto da palavra imperfeito)! Sim, eu disse todos nós, porque todos nós carregamos a mesma angústia, o mesmo anseio, e todos esses Eus, que na maioria das vezes rejeitamos, escondemos dos amigos, e nos iludimos achando que é possível mantê-los trancados em algum buraco negro interno.

Imaginem que existam vários Eus morando dentro de um espaço que você chama de 'Você'. Não importa o lugar que eles ocupam aí dentro (para quem quiser se aprofundar, basta ler um pouco mais sobre o aparelho psíquico descrito por Freud), mas é fundamental reconhecer que eles existem e ocupam um lugar. Outra curiosidade é que eles não se conhecem - ou fazem de conta - porque cada um deles tem uma opinião diferente sobre todas as escolhas que você faz, e antes mesmo da sua família ou de seus amigos opinarem, eles são os primeiros a interferirem e determinarem qual caminho deve seguir. Já imaginou a confusão?

Um exemplo típico disso, é aquele período de tensão pré-mentrual que a maioria de nós, mulheres, passamos. Nestes dias, ficamos insuportáveis, lidamos agressivamente com algumas situações, que em outro momento tiraríamos de letra. Será? Ou será que nesse período é um desses Eus que aproveita da fragilidade dos hormônios para se rebelar?

Desafio-lhes a responderem à pergunta: COMO ESTOU HOJE?

Aproveitei me perguntar também, e para minha não surpresa, a resposta de dias atrás mudou: eu estava muito feliz por voltar trabalhar no antigo emprego, cuja comissão gorda tiraria meu pé da lama, pagaria algumas dívidas, e me proporcionaria finalmente a viagem dos meus sonhos... Mas acontece que essa semana fatores externos interferiram no meu humor, as vendas quase não aconteceram, e um dos meus monstrinhos insiste em dizer que não é a crise atual, mas que o problema sou eu, que não tenho mais privilégios neste lugar e tals...me deixando insegura e incrédula. Por isso resolvi escrever sobre esse momento, para identificar a causa e o conjunto de todas essas emoções, e ver se esse mal estar passa - porque só passa quando esse 'monstrinho vê que não damos força/energia... e como conseguimos isso? Não dando atenção a esses pensamentos, sendo positivos, etc.  (PS: E estou lhes confiando isso bem baixinho, porque se ele ouve estou ferrada, ele é  perito em me auto-sabotar!)

E você? Também oscila o humor às vezes, frequentemente, ou é auto-controlador (a), e não se permite extravasar? Desculpe-me afirmar, mas até esse auto-controle não é você, é um desses seus Eus no comando, e lamento dizer que um dia ele lhe passará uma rasteira, e você que super controlou a vida de todos à sua volta (em casa, no trabalho, na relação amorosa), ironicamente não saberá como lidar consigo própria pois perderá o controle para 'eles'!

Se você está cansado de sofrer, se sua vida amorosa vai de mal a pior, não sabe como lidar com o desemprego ou suas dívidas aumentam a cada dia, venha para a igreja universal (brincadeirinhaaaa! Desculpem os evangélicos, mas tenho um monstrinho sarcástico que sempre faz essas piadas irônicas, e dessa vez eu deixei ele se pronunciar para vocês verem que é normal, todo mundo tem um também!) que tal embarcar para uma viagem diferente? Uma viagem interior?

Para você que é leigo não se matar de ler e no final não entender patavida de nada da leitura densa que proporciona a Psicanálise, venho sugerir um livrinho fofo, colorido, didático, que lhe convidará a viajar para dentro de si, e onde a própria autora será o guia turístico que levará você ao encontro com todos os seus Eus.

De um jeito didático - como nas fábulas infantis - você compreenderá o quanto o tal de Ego controla e media suas relações, afinal o Id (seus impulsos) insiste em lhe colocar em situações complicadas. E embora digam por aí que esse tal do Ego não é bonzinho e é o culpado pelo jeito que você se assumiu como pessoa, você descobrirá o contrário, assim como nós, ele é maternal e faz certas coisas somente para nos proteger (mas reconheço, às vezes essa super-proteção nos impede de voar!).

E se você se permitir embarcar, por favor, não vá de avião à jato, pegue algo mais simples, rudimentar e lento como um vagão de trem, assim poderá contemplar detalhadamente todas as suas paisagens. Não vou mentir que você descobrirá alguns lugares de arrepiar e parecidos com campos de concentração nazista, mas você tem a chave dessa passagem, se não for o momento, deixe para depois, Mas será muito importante se conseguir reunir toda a coragem do mundo para fazer essa travessia, afinal, você já está ali mesmo, e perto de tudo que já enfrentou, que mal poderá fazer esses Eus? Lembram daquele filme que víamos na Sessão da Tarde, da fantástica "Viagem ao centro da Terra"? Pois então, essa será tão surpreendente e incentivadora quanto, só que a fantástica viagem será para dentro de você!

Deixo aqui esse mágico e encantador livro, e desejo sinceramente que quando você voltar dessa jornada, você se dê conta do quanto é especial, que não precisa mudar para agradar ninguém, nem precisa de dinheiro para ser mais feliz. Lembrem-se: as coisas mais importantes da vida (e você melhor que ninguém sabe disso) são aquelas que nenhum dinheiro precisou comprar.

Então, boa viagem!


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